domingo, 13 de julho de 2014

Incrível: em 1930 a Copa foi ignorada pelos brasileiros As manchetes dos jornais falavam na morte de João Pessoa e na brasileira Miss Universo

Getúlio Vargas em 1930
Sem grandes craques, a seleção do Brasil que disputou a primeira Copa do Mundo em 1930 no Uruguai foi derrotada para a Iugoslávia logo na estreia e sequer chegou à segunda fase do campeonato. Se fosse hoje, a notícia iria - certamente - para as manchetes dos jornais e causaria comoção nacional. Mas o ano era 1930 e, embora o futebol já tivesse alcançado certa notoriedade, o assunto Copa não tinha lá muita importância aqui no país. Já a cena política do país fervilhava. Transcorria a semifinal da Copa mas, no dia 26 de julho, páginas e páginas na imprensa destacavam o assassinato de João Pessoa, presidente da Paraíba, numa confeitaria no Recife. Mas a manchete principal era outra: o gosto pelo entretenimento já tinha faiscado nas pessoas, e uma mocinha de nome Yolanda Pereira era eleita a primeira Miss Universo Brasileira, deixando João Pessoa meio à sombra naquele maio de 1930. E o que mais atraía a atenção do brasileiro naquele ano? A quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929, ainda trazia reflexos na economia cafeeira, pilar do desenvolvimento brasileiro. E os anos 30 começavam pesados, em clima menos otimista se comparado com a empolgante década de 20, que viu a revolução na moda, nos costumes, com o automóvel e a arte moderna apontando para o futuro. Por outro lado, em 1930 uma revolução armada viria por fim à aristocrática política do "café com leite", e os dias da República Velha. A chamada Era Vargas iniciava. Três meses passados da Copa, em novembro Getúlio Vargas entrava para a história, em 15 anos de governo. Antes mesmo de encerrar o ano, o caudilho criou o Ministério do Trabalho e o Ministério da Educação e Saúde Pública. Gigantismo: o dirigível Zeppelin e o Edifício Martinelli Nesse iniciar da terceira década do século 20, a população brasileira tinha 37 milhões de habitantes, 70% destes vivendo na área rural. A indústria e a urbanização punham as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo à frente do progresso. Um bom exemplo de como a tecnologia ia entrando para a cena cotidiana é o dirigível alemão Graf Zeppelin, que no dia 22 de maio de 1930 desce no Rio de Janeiro, diante do olhar deslumbrado de 15 mil pessoas. Outros sinais de avanço urbano era o edifício Martinelli (o maior da América Latina), em obras na capital pauilista, e concluído em 1936. Antes, em 1931, o Cristo Redentor era inaugurado no morro do Corcovado. Nas farmácias e outros pontos comerciais, era distribuído de graça o Almanaque Fontoura (do Biotônico Fontoura), com destaque para a figura do Jeca Tatu, personagem criado por Monteiro Lobato em 1926 e que ensinava como a população devia criar hábitos de higiene, para evitar o amarelão e cultuar a saúde. Nas ruas, o xarope Bromil era estampado no primeiro outdoor. A saúde da população não devia ser das melhores. Mas também, só dois anos antes, em 1928, Alex Fleming havia descoberto a penicilina. Nos bondes, fazia sucesso o anúncio do rum creosotado, com texto atribuído ao poeta Bastos Tigre: Veja, ilustre passageiro O belo tipo faceiro Que o senhor tem ao seu lado. E no entanto, acredite. Quase morreu de bronquite Salvou-o o Rum Creosotado. Anúncio do rum creosotado ampliar Ia se esboçando a chamada cultura de massas, para o grande público. E era um público cada vez maior que ansiava por informações sobre fait divers: futebol, cinema, música e as novidades da vida moderna. Circulavam várias revistas (a principal era a revista ilustrada O Cruzeiro, lançada em novembro de 1928), e havia suplementos esportivos e cinejornais. Em 1935, havia 51 cinejornais no país, que mostravam cenas do futebol, carnaval, festas e inaugurações, misturando jornalismo e propaganda. E pouco antes do fim de 1930, o jornal O País já estampava a jovem Carmen Miranda, com 21 anos, como "a maior cantora brasileira", graças ao sucesso da gravação da marcha Pra Você Gostar de Mim ("Taí"), de Joubert de Carvalho. Antes, em dezembro de 1929, ainda sem muita repercussão, ela faria sua primeira gravação em disco, um 78 RPM (Rotações Por Minuto) com duas composições de seu descobridor, Josué de Barros. A década de 1930 é a "era de ouro" da música brasileira, mas Noel Rosa, por exemplo, só viria a gravar Com que Roupa eu Vou? em 1931. Quanto ao rádio, a primeira transmissão tinha acontecido em 1923. E não demoraria para que se tornasse o meio de comunicação mais popular, com programas de auditório e transmissões de jogos de futebol. Mas ainda não em 1930, quando esta vocação não estava clara, e a propaganda comercial no ar era proibida. Pouco depois seria liberada, em 1932, frente a uns poucos protestos. Arthur Friedenreich Em 1931, entrava em cartaz nos cinemas o fime O Campeão de Futebol, com participação do maior ídolo da época, Arthur Friedenreich. Era um momento de grande maturidade do cinema mudo brasileiro, com muitos filmes em produção e salas cheias. Mas os ventos já sopravam para outro lado... Em 1927, estreou nos Estados Unidos o musical O Cantor de Jazz (The Jazz Singer), o primeiro filme falado. Por aqui, o primeiro filme sonoro é a comédia Acabaram-se os otários, de 1929, dirigida por Luiz de Barros. E logo viria o primeiro musical brasileiro, Coisas Nossas, em 1931, de Wallace Downey: cantado em português, com cantores brasileiros. Um sucesso. Modernistas no futebol Na literatura, os modernistas continuavam na vanguarda. Em 1923, Oswald de Andrade escrevia A Europa curvou-se ante o Brasil, sobre a excursão do (clube) Paulistano à Europa: A Europa curvou-se ante o Brasil 7 a 2 3 a 1 A injustiça de Cette 4 a 0 2 a 1 3 a 1 E meia dúzia na cabeça dos portugueses Cinco anos depois, em 28, Oswald lançava o Manifesto Antropofágico, e Mário de Andrade publicava Macunaíma (a história do herói que nasce índio, vira negro e depois branco). Ambos perseguiam uma cultura nacional para o Brasil, mas a luta contra o atraso envolvia inclusive a própria vida pessoal desses artistas. Assim, em 1930, Oswald e Patrícia Galvão - a Pagú feminista e revolucionária - aboliam convenções e partiam para morar juntos, para escândalo da sociedade provinciana paulistana.
Fonte: Portal 2014

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