No dia 20 de julho
de 1969, um domingo, dois homens pisaram pela primeira vez na Lua. Um deles, o
comandante Neil Armstrong, de 38 anos, um tímido ex-piloto de testes de aviões
americanos, escorregou na escada da pequena nave com a qual pousou na
superfície lunar e por pouco não imprimiu ali a mão antes do pé. O outro, Edwin
Aldrin, Buzz, igualmente com 38 anos, veterano piloto de jatos da Força Aérea dos Estados
Unidos, sentiu uma vontade humaníssima de fazer
xixi. E fez, dentro do traje de astronauta, reforçado com 21 camadas de tecido,
numa bolsa de coleta para tais contingências. A 96 mil metros de altura, o
ex-piloto de testes Michael Collins, de 38 anos, como os outros, encarregado de
pilotar o módulo de comando da Columbia, só conseguiria sentir-se
verdadeiramente aliviado no dia seguinte, quando seus dois companheiros se
uniram a ele para a viagem de volta a Terra.
Passados vinte anos
do evento literalmente mais espetacular da história humana documentada, que
esgotou os estoques da melhor retórica da espécie, a conquista do Cosmo parece
menos próxima, em parte porque o programa espacial americano perdeu a direção,
enquanto o soviético segue uma rota lenta, gradual, segura - e sem muito
charme. Além disso, a ida a Lua ocorreu num período efervescente, marcado por
mudanças de toda a sorte, em que a confiança nas possibilidades de resultados
imediatos da ação humana era seguramente maior, assim como o encantamento com a
tecnologia. A Lua, em suma, chegou antes da crise do petróleo, antes dos
microcomputadores e antes que as preocupações com a saúde do planeta virassem
moda.
Quando Collins,
Aldrin e Armstrong partiram a bordo da nave Apolo 11 na luminosa manhã de 16 de
julho, 1 milhão de pessoas munidas de câmeras e binóculos se apinhavam nas
vizinhanças de Cabo Canaveral, depois chamado Cabo Kennedy, na Flórida, onde
até hoje ocorre a grande maioria dos lançamentos espaciais americanos. Nada
menos de 850 jornalistas de 55 países, falando 33 línguas diferentes,
registraram o acontecimento. Calcula-se que cerca de 1 bilhão de pessoas, algo
como um em cada quatro seres humanos, viram pela TV quando, às 23h56min20s
(horário de Brasília) do dia 20, o comandante Armstrong, já recuperado do
escorregão, cuidadosamente ergueu o pé esquerdo e marcou o solo do Mar da
Tranqüilidade - a planície escolhida para a alunissagem.
Este é um pequeno passo
para o homem, um gigantesco salto para a humanidade, disse o emocionado Armstrong, numa frase que inevitavelmente
ecoou pelo mundo. Quem estava de olho na tela naquele momento não deve ter
esquecido a sua figura fantasmagórica movendo-se desajeitadamente devido à
ínfima gravidade (um sexto da que existe na Terra) a 384 mil quilômetros de
distância. O astronauta contou à base de controle e a todos que o ouviam que o
chão da Lua era fino e poeirento. Adere à sola e aos lados das minhas botas, formando uma camada fina como
poeira de carvão, descreveu. Vinte minutos depois, Aldrin uniu-se a ele. Com as
duas mãos agarradas à escada, experimentou o solo da Lua e sua gravidade com dois pulos
de pés juntos. "Lindo, lindo", exclamou, surpreendido com a
facilidade de movimentação.
Os dois astronautas
passaram 2 horas e 10 minutos no Mar da Tranqüilidade. Numa das pernas do
módulo, chamado Eagle (águia, em inglês), havia uma placa comemorativa. Neil
Armstrong leu então em voz alta:"Aqui, homens do planeta Terra pisaram na
Lua pela primeira vez. Nós viemos em paz, em nome de toda a humanidade". O
texto levava a assinatura dos três tripulantes e a do então presidente
americano Richard Nixon. A dupla ainda fixou a bandeira dos Estados Unidos e
ouviu pelo rádio as congratulações de Nixon, que falava da Casa Branca.
A liturgia
prosseguiu com Armstrong afirmando que eles representavam não apenas os Estados
Unidos mas os homens de todas as nações, que têm interesse, curiosidade e visão
do futuro". Em seguida, ele e Aldrin começaram o trabalho de colher os 27
quilos de pedras e pó da Lua que nos anos seguintes fariam a alegria de muitos
cientistas. Depois, instalaram um sismógrafo, um refletor de raios laser, uma
antena de comunicação, um painel para o estudo dos ventos solares e uma câmera
de TV. Terminadas as tarefas, os astronautas voltaram à Eagle e tentaram em vão
dormir, apertados e sem conforto, atulhados nos 4,5 metros quadrados do
interior do módulo lunar.
Começaram enfim os
preparativos para o regresso. A metade inferior da Eagle ficou na Lua. A parte
de cima do pequeno módulo elevou-se da superfície até encontrar o seu parceiro
em órbita. Os dois veículos alinharam-se para o acoplamento. Enquanto Aldrin e
Armstrong se reuniam a Collins na Columbia, o resto da Eagle foi deixado
rodando em volta da Lua, cada vez com menos impulso, até se espatifar de
encontro ao solo. A 24 de julho, oito dias, três horas e 18 minutos depois de
lançada de Cabo Canaveral, a Apolo mergulhou nas lonjuras do Pacífico sul, na
altura da Polinésia. Uma das mais antigas fantasias do homem - ir à Lua e
voltar são e salvo - finalmente tinha se tornado realidade.
Aquele
"pequeno passo" havia começado a rigor muitos anos antes, em 1945,
quando a Segunda Guerra Mundial terminava com a derrocada da Alemanha nazista e
dos seus parceiros japoneses. Os vencedores, os Estados Unidos e a União
Soviética, lançaram-se à disputa de um dos mais valiosos espólios da guerra -
os cientistas alemães envolvidos na fabricação das bombas V-2, as precursoras
dos foguetes. Embora os americanos tivessem capturado o maior número e os
melhores entre eles, como o notório Wernher von Braun, e os pusessem a
trabalhar no desenvolvimento de mísseis teleguiados, foram os soviéticos que
saíram na frente na corrida espacial. A 4 de outubro de 1957 surpreenderam o
mundo e humilharam os Estados Unidos ao lançar o Sputnik, primeiro satélite
artificial da Terra.
A 12 de abril de
1961, o cosmonauta, como dizem os russos, Iúri Gagárin (1934-1968) completou o
primeiro vôo orbital tripulado. Único ser humano até então a ver o planeta do
espaço, Gagárin informou: A Terra é azul. Menos
poeticamente, o líder soviético Nikita Kruschev (1894-1971) lançou o desafio: Que os países capitalistas tentem alcançar-nos. Os americanos aceitaram. No mesmo ano de 1961, o presidente John
Kennedy (1917-1963) pediu a seus assessores um plano ambicioso o suficiente
para segundo se dizia na época, ganhar as manchetes dos jornais e por meio delas conquistar o
coração de todos os povos do mundo: levar um homem à Lua e trazê-lo de volta.
Os americanos
mergulharam no projeto com a mesma gana que tiveram vinte anos antes ao entrar
na guerra em seguida ao ataque japonês à base de Pearl Harbor. As melhores
cabeças foram recrutadas pela agência espacial NASA para elaborar três missões
- Mercury, Gemini e Apolo - com tipos diferentes de naves e foguetes, que
sucessivamente levariam astronautas cada vez mais longe até alcançar a Lua.
Enquanto isso, os soviéticos desenvolviam as Vostok, Voskhod e Soyuz; estas
últimas aperfeiçoadas até se tornarem hoje os veículos transportadores de
cosmonautas para a estação espacial Mir, há três anos no espaço.
Foi também em 1961
que os americanos começaram a selecionar os astronautas para o programa
espacial. A escolha, descrita no romance The right stuff, de Tom Wolfe (não
editado no Brasil), depois transformado no filme Os eleitos, de 1983, era feita
entre os pilotos de testes da Marinha, Força Aérea e Fuzileiros Navais. Homens
como Armstrong, Aldrin e Collins tinham de ser bons aviadores, ter nível
universitário e boa estrutura psicológica para enfrentar situações difíceis e
imprevistas. Comentou-se na época que os três escolhidos para a viagem
histórica à Lua eram os mais sérios e menos comunicativos astronautas do
programa espacial - características da personalidade que não mudaram até hoje.
Armstrong e Aldrin foram pilotos na guerra da Coréia e já haviam participado do
projeto Gemini.
Collins, outro
veterano da Gemini, deveria ter voado na Apolo 8 que realizou as primeiras
órbitas tripuladas em volta da Lua, em dezembro de 1968; mas uma cirurgia de
última hora fez com que fosse substituído e acabasse entrando para a tripulação
da Apolo 11. Em 1967, teoricamente, soviéticos e americanos já possuíam os
fantásticos foguetes e naves que poderiam fazer a viagem à Lua de ida e volta.
Mas durante um
ensaio de lançamento da Apolo 1, a 27 de janeiro daquele ano, uma explosão
matou os tripulantes Virgil Grissom, Edward White e Roger Chaffee. Três meses
depois, nova tragédia ocorreu do lado soviético. A destruição do pára-quedas de
freagem da Soyuz 1 matou o cosmonauta Vladimir Komarov. As naves foram
redesenhadas para atender a maior preocupação com a segurança.
Nos Estados Unidos,
os veículos seguintes da série Apolo, até o de número 6, não foram tripulados.
Mas, no início de 1969, quase ao mesmo tempo, soviéticos e americanos estavam
prontos para reiniciar a corrida espacial. Antes que se pudesse enviar homens à
Lua, já havia sido preciso despachar várias naves não-tripuladas para descobrir
se a alunissagem seria mesmo praticável. Era necessário, por exemplo, avaliar o
comportamento dos mecanismos de freagem e pouso nas condições de baixa
gravidade e nenhuma atmosfera do satélite.
Sabia-se que as
manchas escuras da superfície lunar, que receberam o nome de mares, eram na
realidade planícies cheias de crateras, mas não se tinha certeza de que
poderiam suportar o peso de uma nave. Essa possibilidade foi confirmada com as
primeiras fotos enviadas pelas sondas Ranger a partir de 1964. Por sua vez, a
nave soviética Luna 9 conseguiu realizar o primeiro pouso suave na Lua,
antecipando-se em alguns meses às americanas Surveyor. Nos anos seguintes,
naves dos dois países mostraram imagens de TV da Lua, provando que além de pó
havia matéria firme na superfície.
Estava enfim
preparado o caminho para a Apolo 11, uma pequena nave de 45 toneladas, composta
de um módulo de comando, serviço e lunar. Ela foi lançada no bico do maior
foguete já construído, o Saturno 5, de três estágios e 110 metros de altura,
mais alto do que um edifício de 35 andares. No momento da partida, o Saturno
pesava mais de 3 mil toneladas, algo como vinte jumbos juntos, a maior parte
constituída de combustível destinado a acelerar a carga à velocidade de 40 mil
quilômetros por hora. O primeiro estágio do foguete queimava oxigênio líquido
misturado com querosene, produzindo uma fogueira colossal que emocionou a
multidão aglomerada para acompanhar a partida da nave (pela TV, os Estados Unidos
viram tudo em cores; os outros países, ainda em preto-e-branco).
Foi um espetáculo
impressionante, para dizer o mínimo. Quando o foguete começou a subir, suas
3.500 toneladas de empuxo provocaram um ruído tão insuportável que chegou a
matar os pássaros que voavam nas proximidades. O megaprojeto havia custado 22
bilhões de dólares, quase dez vezes mais do que o lançamento do ônibus espacial
Discovery em outubro do ano passado - isso sem contar a inflação acumulada no
período. O módulo de comando, ou Columbia, um compartimento pequeno, de uns 6
metros quadrados, era o centro de controle da nave. Os três tripulantes
dispunham de poltronas individuais, uma ao lado da outra, razão pela qual
precisavam tomar cuidado para não atrapalhar uns aos outros. A sua frente e nas
laterais ficavam os painéis de instrumentos.
Por baixo das
poltronas estavam as camas onde os astronautas dormiam protegidos para não flutuar na nave sem gravidade. Havia também uma série de armários com comida desidratada, roupas e equipamentos auxiliares. À
direita dos armários ficava o banheiro, ou, mais precisamente, o canto onde os astronautas se aliviavam
usando pequenas bolsas de plástico. As paredes
da nave eram providas de quadrados de velcro, um produto que ficaria muito
conhecido como fecho de bolsas e tênis, que servia para que os equipamentos
manuais não flutuassem. Atrás do Columbia, vinha o módulo de serviço com o
sistema de propulsão e retrofoguetes e finalmente o módulo lunar Eagle.
O alvo da Apolo 11,
a rigor, não seria a Lua, mas um ponto no espaço onde ela estaria quatro dias
após o lançamento, prevendo-se o seu movimento em torno da Terra. De acordo com
a operação, denominada TLI -Injeção Translunar -, quem pilotava efetivamente a
nave eram as leis da Física enunciadas no século XVII pelo físico inglês Isaac
Newton. Como ele descobriu, Terra, Sol e Lua atraem os corpos como se fossem
ímãs. Por isso, os foguetes da Apolo foram acionados durante 3 segundos. Nesta
mínima fração de tempo, os astronautas, tendo a nave sob controle, voltaram-na
para a direção calculada, de modo a fazê-la escapar do campo gravitacional da
Terra e ser atraído pela gravidade lunar.
Durante o trajeto,
os astronautas usaram uma técnica para impedir que metade da nave - a que
estava voltada para o Sol - literalmente torrasse e a outra se congelasse. Com
uma leve ignição dos foguetes auxiliares, eles faziam-na girar lentamente em
seu próprio eixo, como um frango assado no espeto. Com o auxílio do computador
de bordo, a Apolo executava um movimento de rotação de 3 décimos de grau por
segundo, o que significava uma volta completa a cada 20 minutos, para que o
calor e o frio se distribuíssem de maneira uniforme por toda a sua superfície.
Somente após o
regresso à Terra os técnicos da NASA descobriram que Armstrong e Aldrin por
pouco não espatifaram a Eagle de encontro à Lua. De fato, depois de soltarem o
módulo da nave-mãe, os astronautas foram descendo gradualmente até onde
acreditavam estar o local de pouso - o Mar da Tranqüilidade, escolhido por ser
plano e próximo ao equador, o que facilitaria a volta. Mas, quando Armstrong
esquadrinhou pela escotilha o terreno já bem próximo, não sabia onde estava.
Utilizando o controle manual, dirigiu a Eagle para onde imaginava ficar a
cratera que seria seu ponto de referência, enquanto Aldrin controlava o
combustível. Faltavam não mais de 30 segundos para que este acabasse quando
Armstrong pousou - 1 quilômetro além do ponto marcado.
Enquanto Armstrong,
Aldrin e Collins, já de volta, eram recolhidos do mar pelo porta-aviões Hornet,
uma nave soviética, a Luna 15, se perdia em algum ponto entre o planeta e o
satélite. Lançada dois dias antes da Apolo, sem tripulantes, tinha como
objetivo recolher amostras do solo lunar e voltar à Terra. Até hoje não se sabe
o que aconteceu com a Luna - não faltando quem suponha que ela tenha sido
desviada de sua trajetória por sinais de rádio americanos. O mundo, de qualquer
maneira, estava mais preocupado com os três participantes da primeira grande
odisséia extraterrestre. Malcheirosos, depois de oito dias sem tomar banho,
durante os quais foram obrigados a usar uma precária privada, tiveram de vestir
um traje à prova de contaminação antes de deixar a cápsula espacial. Para se
ter certeza de que não tinham trazido nenhum microorganismo lunar eventualmente
daninho aos terráqueos, ficaram de quarentena em companhia de algumas cobaias.
Se algo acontecesse a elas, seria a prova de que estavam contaminados.
Como se sabe, nada
aconteceu. Depois de desfilarem em carro aberto com as famílias nas principais
cidades americanas, sob a infalível chuva de papel picado, os astronautas
fizeram-uma série de viagens promocionais pelo mundo - Armstrong e Collins
estiveram, por exemplo, em outubro de 1969 no Brasil. No mês seguinte, outros
três americanos - Charles Conrad, Alan Bean e Richard Gordon - tornaram à Lua a
bordo da Apolo 12. Como da primeira vez, a expedição foi, viu e voltou sem
problemas. Os Estados Unidos continuaram com o programa lunar até 1972. Ao todo
enviaram dezoito homens em seis Apolos. Desses, doze puseram os pés no
satélite. Depois começou a era dos ônibus espaciais, capazes de orbitar a Terra
e voltar inúmeras vezes. A União Soviética, de seu lado, optou por não mandar
cosmonautas à Lua. Mas suas naves ali estiveram até 1976, enquanto se desenvolvia
o projeto das estações espaciais Salyut e, depois, Mir.
Passados vinte
anos, nunca mais houve um acontecimento na história da conquista espacial de
impacto comparável àquele - à exceção da tragédia da Challenger em janeiro de
1986. A ida à Lua, vista na perspectiva do tempo, representa acima de tudo o
triunfo da vontade humana. Bem pensadas as coisas, é até possível que, pelos
padrões atuais de segurança nos vôos ao espaço, a aventura da Apolo 11 não
teria sido autorizada. E, por maior que tenha sido, por exemplo, o aporte
tecnológico para as viagens espaciais trazido pela estratégia de encarapitar
uma pequena nave num potentíssimo foguete de múltiplos estágios, ou por mais
importantes que tenham sido para a ciência as pedras lunares coletadas pelos
astronautas, é certo que nada supera até hoje a força simbólica daquele
primeiro passo a 20 de julho de 1969.