sábado, 1 de março de 2014

O poder da ‘presidenta Nadine’ cresce no Peru mais que nunca


No sábado passado, quando já havia sido desencadeada a crise que terminou com a queda do quarto primeiro-ministro de Ollanta Humala em dois anos e meio de governo, vários jornalistas se reuniram informalmente em um restaurante em Callao, onde está situado o principal porto do país, na região metropolitana de Lima. Embora tenha sido uma reunião de amigos, um deles perguntou ao outro, que trabalha no escritório de imprensa da Presidência, se era verdadeiro que no Palácio de Governo quem mandava era Nadine Heredia, a esposa do presidente. Este replicou: “assim como na sua casa.” A resposta não passa de uma piada, mas também evidencia uma situação cada vez mais aceita pelos peruanos: a ideia de que, à imagem e semelhança do que ocorre em muitos lares, no Palácio do Governo quem exerce a verdadeira autoridade não é o presidente, mas a sua senhora. Nas ruas cada vez é mais comum escutar as pessoas se referindo à “presidenta Nadine” (uma expressão que também escapou há alguns meses da prefeita de Lima, Susana Villarán, em um ato falho muito lembrado). Inclusive alguns comentaristas já abraçam abertamente essa tese. “Eu acho que ela é a presidenta. Temos uma presidenta de facto e ela demonstrou isso pondo e dispondo de ministros conforme seus desejos”, diz o analista político Ricardo Vásquez Kunze, citado pelo jornal El Comercio. Na quarta-feira, um congressista do fujimorismo quis ir mais longe e propôs que o presidente deveria ser removido de seu cargo por suposta incapacidade moral. “É imoral que um presidente permita que sua esposa governe abertamente o país sem ter sido eleita para um mandato de forma popular”, disse Héctor Becerril diante das câmeras de televisão. César Villanueva, o chefe do gabinete ministerial que foi demitido na segunda-feira depois de passar menos de quatro meses no cargo, é a mais recente vítima do que, exageros à parte, já se assume como uma realidade no palco político peruano: o enorme (e crescente) protagonismo que a primeira dama possui em todas as decisões do Governo, apesar de não ocupar nenhum cargo público. Ela é, na realidade, a presidenta do Partido Nacionalista, uma posição que combina com as numerosas atividades públicas em que participa como esposa do presidente e nas quais, além disso, não se faz de rogada em opinar sobre os temas do Governo. “Nadine Heredia é a principal operadora política deste Governo”, diz o cientista político Carlos Meléndez. “Após Vladimiro Montesinos [o sinistro e corrupto assessor da inteligência do Governo de Alberto Fujimori entre 1990 e 2000], nenhuma outra pessoa que não fosse o próprio presidente da república teve tanto poder no Peru”, afirma. Villanueva, um político independente de reconhecida trajetória como líder regional, foi convocado para encabeçar o gabinete em novembro do ano passado. Sua nomeação foi saudada por todos os setores, mas cedo ficou claro que sua agenda, que tinha entre seus objetivos um impulso à descentralização e à aproximação a outros partidos políticos, bateu de frente com as ideias do casal presidencial. O primeiro-ministro também propôs a necessidade de mudanças no gabinete, mas ele recebeu tarefas apenas na área da educação. Deste modo, Villanueva acabou sendo um primeiro-ministro opaco, em contraste com a imagem cada vez mais luminosa da primeira dama. Sua queda foi precipitada pela ausência do presidente, que se encontrava fora do país. Na quarta-feira da semana passada, o primeiro-ministro anunciou que estava analisando com o Ministério da Economia e Finanças aumentar o salário mínimo. Foi Heredia quem o desautorizou, um dia depois, declarando que esse tema “não estava em discussão”. O arremate aconteceu no domingo e foi do ministro de Economia, Luis Miguel Castilla, considerado como grande aliado da primeira dama no Executivo e outra figura de grande poder no Governo. Em uma entrevista televisionada, Castilla também retificou a decisão. “Nunca tratamos o tema com o primeiro-ministro”, enfatizou. Villanueva sentiu que tinham puxado o seu tapete, renunciou e no dia seguinte foi substituído por René Cornejo, até então ministro responsável por moradias. Em um gesto que evidenciou seu mal-estar, não foi à cerimônia de juramento de seu sucessor, na qual foi possível presenciar Nadine Heredia aplaudindo com uma expressão de alegria não contida. Já Villanueva se dedicou na segunda-feira a declarar a vários meios de comunicação que os acontecimentos que precipitaram sua demissão foram coordenados no Palácio do Governo. A intervenção da primeira dama para deixar sem ação um alto servidor público (nada menos que o número dois do executivo e porta-voz oficial do presidente), gerou críticas da oposição e, também, de outros ex-ministros de Humala, que indicam que a influência de Heredia dentro do Governo vai além do limite. Óscar Valdés, que foi o segundo presidente do Conselho de Ministros de Ollanta Humala, revelou que quando estava à frente do gabinete teve de proibir seus colaboradores de ir ao escritório de Nadine Heredia. “Em uma oportunidade encontrei dois ministros lá, pois a sala da primeira-dama fica na mesma parte do Palácio do Governo que a presidência do Conselho de Ministros. Tive de fazer um chamado para que isso não voltasse a acontecer”, disse em entrevista ao EL PAÍS. Valdés afirma que, quando ele ocupava a presidência do Conselho de Ministros, a influência de Heredia no Governo não era tão marcante como agora. “Quando eu estava lá, ela nunca participou de uma reunião do conselho de ministros”, disse. Também Salomón Lerner Ghitis, o primeiro primeiro-ministro do Governo humalista, opinou que a influência da primeira-dama “é cada vez maior”, e que atualmente ela governa em coparticipação com seu marido. “Isso não faz bem às instituições do país”, advertiu. Diante das críticas, o peso da figura de Heredia foi novamente apoiado na quarta-feira com a pronúncia da bancada aliada à presidência no Congresso, que convocou uma coletiva de imprensa para respaldá-la. “Sua voz, sua opinião é válida, e muitas vezes é levada em conta pelo presidente”, disse o congressista Víctor Isla. No meio de toda essa pólvora, existe a suspeita, nunca esclarecida totalmente, de que o nacionalismo prepara uma manobra legal para permitir que Nadine Heredia seja sua candidata presidencial nas eleições de 2016. Ainda que hoje a lei proíba isso expressamente. “Eu não descarto isso completamente, pois os poderes informais tendem a se comportar de maneira informal”, diz Carlos Meléndez.

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