“Não me sinto titular”, repetia Julio César Soares (Rio de Janeiro, 1979) duas semanas antes da Copa do Mundo. Sua transferência do Queens Park Rangers inglês (onde era reserva) para o Toronto F.C. da Major League Soccer dos EUA e do Canadá no início deste ano não lhe tinha garantido nem mesmo a titularidade requerida para chegar em boa forma à Copa.Os torcedores o haviam culpado pela eliminação do Brasil pela Holanda em 2010, e depois desse jogo ele saiu da seleção. Em 2013, recuperou seu posto de titular e conquistou a Copa das Confederações da FIFA no Brasil, recebendo até mesmo o prêmio de melhor goleiro. Mas sua temporada não dava motivos para otimismo. Com um pouco de sobrepeso e menos intocável que nunca, o campeão da Champions com a Inter de Milão em 2010 parecia já não oferecer a segurança de outros tempos. Jefferson, seu teórico reserva (goleiro do Botafogo), aterrissou na concentração brasileira em Teresópolis gerando manchetes por dizer que acreditava ser capaz de jogar como titular na Copa e trabalhava duramente para isso.
Quatro anos atrás dei uma entrevista muito triste e muito emocionado; agora a repito, mas com felicidade”
Para complicar, Julio César não convenceu em nenhum dos dois amistosos que a seleção da Scolari disputou no início de junho. Ele se mostrava lento, pouco ágil. Em um país que condenou o goleiro Barbosa a 40 anos de ostracismo e miséria pelo gol que sofreu de Ghiggia no “Maracanazo”, defender a meta brasileira na “Copa das Copas” era uma responsabilidade quase angustiante em tais condições. Conhecedor da falta de piedade do futebol, saiu em defesa de Íker Casillas depois do 5-1 da Holanda sobre a Espanha: “Ele sofreu acidentes, assim como eu e outros, mas nunca deixará de ser um goleiro vitorioso, e é assim que devem pensar os torcedores espanhóis”.
Os jogadores do Brasil abraçam Julio César. / IAN WALTON (GETTY IMAGES)
Na tarde deste sábado, Jefferson abraçou efusivamente Julio César no gramado do Mineirão, em Belo Horizonte. Seus companheiros quase não o deixavam andar. Nas ruas de Copacabana, meia hora depois do pênalti desperdiçado por Jara, seu nome era entoado pela multidão no primeiro momento de autêntica euforia de rua no Rio em meses.
A priori, a competência de Claudio Bravo para os pênaltis (um especialista nisso, recém-contratado pelo Barcelona) dava certa vantagem aos andinos. Bravo fez sua parte: defendeu a cobrança de Hulk e quase fez o mesmo com a de Marcelo. Mas o destino havia reservado para Julio César o papel de herói, depois que o goleiro ostentou durante anos um perfil baixo. A eterna sorte de Scolari nas cobranças de pênaltis (como treinador de Portugal, eliminou a Inglaterra na Eurocopa de 2004 e na Copa do Mundo de 2006) ganhou mais um episódio para reforçar a lenda.O Brasil afasta o fantasma de Zico na Copa de 1986 no México e prolonga sua trajetória bem-sucedida nos nove metros: um pênalti perdido de Roberto Baggio deu de bandeja o Mundial de 1994 à seleção brasileira, que quatro anos depois eliminou nos pênaltis a Holanda nas semifinais. Julio César chorou antes e depois das cobranças. Garantida a classificação para as quartas, ele desabou no gramado do Mineirão: “Sei que minha história na seleção não acabou. Quatro anos atrás, dei uma entrevista muito triste e muito emocionado; agora a repito, mas com felicidade”. O povo, pelo que se pode ver nas ruas, o perdoou.
Os jogadores do Brasil abraçam Julio César. / IAN WALTON (GETTY IMAGES)
Nenhum comentário:
Postar um comentário