quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Hollande se esquiva de perguntas sobre sua vida pessoal


O inimigo jurado das finanças e paladino da justiça social visto na campanha eleitoral de 2012 mudou de vida. Após 18 meses da sua chegada ao poder, François Hollande confirmou nesta terça-feira uma guinada radical na direção das receitas econômicas neoliberais, deixando de falar aos eleitores de esquerda para dar razão aos que consideram (Berlim, Bruxelas e Londres) que a França é um país esclerosado e para oferecer um pacto de responsabilidade – na verdade, um cheque na forma de redução de custos trabalhistas – aos patrões em troca de investimentos e empregos. Embora tenha falado principalmente de economia, o presidente francês chegava à terceira entrevista coletiva semestral do seu mandato com a água no pescoço por causa de um assunto particular do qual todo mundo fala, na França e sobretudo fora dela: seu romance adúltero com a atriz Julie Gayet, de 41 anos – 18 a menos do que ele –, que levou a primeira-dama Valérie Trierweiler, de 48 anos, a ser hospitalizada para um período de repouso e recuperação. Hollande prometeu eliminar as contribuições sobre as folhas de pagamento recolhidas por empresários e autônomos, que servem para financiar auxílios para famílias até 2017, uma medida que estimou em 30 bilhões de euros (96,7 bilhões de reais). E, recorrendo novamente ao manual ultraliberal, assegurou que bancará essa quantia promovendo uma reforma do Estado, lutando contra as fraude previdenciárias, simplificando os impostos e cortando 161 bilhões de reais em gastos públicos entre 2015 e 2017. “Tudo será revisto, mas não para reduzir a proteção social, de saúde ou ambiental, e sim para simplificar e facilitar a vida das empresas”, enfatizou Hollande, tentando limitar o impacto da concessão feita à entidade patronal Medef, cujos porta-vozes celebraram os anúncios e não se acanharam em dizer que Hollande havia apresentado um “programa de direita”. Embora o comparecimento do presidente tenha durado quase três horas, Hollande deu um jeito de não oferecer, diante de mais de 500 jornalistas franceses e estrangeiros que abarrotavam o salão de festas do Palácio do Eliseu, nem uma só explicação convincente sobre o escândalo que afetou a sua vida privada. Diante das quatro ou cinco perguntas relacionadas ao caso, afirmou que ele e sua mulher vivem “momentos difíceis e dolorosos”, recordou ter o princípio de que assuntos privados são resolvidos em privado, acrescentou uma frase aludindo às circunstâncias – “Este não é o lugar nem o momento para falar disso” – e finalmente prometeu, de forma paradoxal, que dará as explicações pertinentes antes de viajar a Washington, no próximo 11 de fevereiro. Mais tarde, após uma longa rodada de perguntas sobre política e economia, o presidente disse que Trierweiler se encontra “em repouso” e afirmou que a segurança dele está “perfeitamente garantida” sempre que realiza deslocamentos públicos ou privados, sem entrar em detalhes sobre a origem duvidosa do apartamento onde se encontrava com Gayet. O presidente não escondeu que a publicação da reportagem sobre sua infidelidade lhe causou “indignação absoluta”, e comentou que só não processou a revista Closer porque goza de imunidade judicial como presidente, e por isso não estaria em igualdade de condições, por não poder ser processado por ninguém. Hollande se mostrou sereno em todo momento e tentou mostrar seu lado mais institucional, autoritário e firme, embora em alguns momentos tenha feito suas habituais brincadeiras. Mas a entrevista coletiva foi muito menos espontânea e improvisada do que pareceu. O chefe de comunicação do Eliseu, Christian Gravier, um homem próximo do ministro do Interior, Manuel Valls, indicava a cada momento a seus colaboradores a quem entregar o microfone, e deu absoluta prioridade aos jornalistas franceses, relegando os mais de 150 correspondentes estrangeiros à última meia hora, a xepa da entrevista. Perguntado por um jornalista norte-americano a respeito do alcance político do Closergate e sobre se um presidente teria direito a uma vida realmente privada, Hollande afirmou: “Na França temos princípios firmes sobre o respeito à vida privada e sobre a liberdade de imprensa. São nossos valores”. A notícia mais relevante do dia, em todo caso, foi o relatório da Liga para os Direitos Humanos a respeito da situação dos ciganos na França. Durante 2013, o Governo socialista expulsou quase 20.000 roma europeus de seus acampamentos precários, ou seja, o dobro do volume de 2012. Hollande defendeu a política de Manuel Valls, sem citar desta vez a palavra “humanidade”, e assegurou que todas essas expulsões não lhe envergonham, “porque são feitas em nome do direito”. Na verdade, tanto a promessa eleitoral de Hollande como a circular emitida pelo ministro do Interior em meados de 2012 obrigava o próprio Governo a conceder alojamentos alternativos aos expulsos, coisa que Paris não faz. Hollande assumiu para si também aquilo que definiu como a última “vitória” do ministro mais popular do Gabinete, a proibição administrativa dos espetáculos do cômico Dieudonné: “O racismo, o antissemitismo e a xenofobia serão perseguidos com intransigência”, disse. “A lei será aplicada sem debilidade. Mas a liberdade de reunião, expressão e criação não pode ser reduzida, salvo em circunstâncias excepcionais, atendendo à dignidade humana e à ordem pública.” Sobre a Europa, Hollande falou principalmente a respeito da Alemanha, antecipando que em fevereiro deve ocorrer na França uma reunião conjunta dos gabinetes completos dos dois países. Anunciou passos para a convergência econômica, a harmonização das regras fiscais e um impulso comum da Europa da Defesa. Uma pergunta direta deu margem para a fuga M. M. A tensão podia ser cortada com uma faca quando o Governo completo (38 ministros, sendo 19 homens e 19 mulheres) entrou ontem no salão de festas do Palácio do Eliseu e se sentou à direita da tribuna onde o presidente François Hollande falaria, às quatro e meia da tarde (uma e meia em Brasília). Não cabia um só alfinete no espaço rococó, e a dúvida consistia em saber quem – e quando, e como – se atreveria a abrir o fogo e a perguntar ao chefe do Estado a respeito do escândalo Gayet. Por protocolo, o Eliseu concedeu a primeira pergunta ao presidente da Associação de Imprensa Presidencial, atualmente o jornalista Alain Barluet, do Le Figaro. Depois de um preâmbulo cortês e obrigatório, porque a entrevista coletiva coincidia com a felicitação de Ano Novo de Hollande à imprensa (os célebres voeux de cada mês de janeiro), o repórter soltou a batata quente: “A publicação de um artigo que lhe diz respeito em uma revista, a Closer para não citá-la nominalmente [uma forma de ironia], gerou emoção, perguntas e curiosidade, é inevitável. Há uma necessidade de esclarecimento perante os franceses e perante aqueles que nos olham do estrangeiro. O senhor em breve será recebido em Washington. Pergunto-lhe sem rodeios: Valérie Trierweiler continua sendo a primeira-dama da França?”. Hollande se recusou a responder à pergunta, que tinha todo jeito de ter sido combinada com antecedência, mas aproveitou a menção à sua viagem oficial aos Estados Unidos para prometer que dará as explicações necessárias antes de embarcar para Washington em 11 de fevereiro. A hábil manobra concede a Hollande 27 dias para organizar sua agitada vida sentimental e preparar uma resposta adequada. O mais curioso foi que a pergunta não deixou o bom Barluet muito satisfeito, já que apenas uma hora depois ele usou sua conta do Twitter para pedir perdão a Albert Londres, o falecido repórter francês que dá nome aos prêmios de jornalismo mais importantes do mundo francófono. O líder dos jornalistas franceses fez a pergunta correta ao presidente dos franceses. Mas não esclareceu se esta lhe pareceu muito direta, muito combinada ou muito próxima da imprensa sensacionalista. Uma pergunta direta deu-lhe motivo a escabullirse M. M. A tensão cortava-se com uma faca quando o Governo em pleno (38 ministros, 19 homens e 19 mulheres) entrou ontem no salão de festejos do Elíseo e se sentou à direita do atril desde o que ia falar o presidente, François Hollande, às quatro e meia da tarde. Não cabia um alfiler no espaço rococó, e a dúvida consistia em saber quem —e quando e como— se atreveria a abrir o fogo e a perguntar ao chefe do Estado pelo escândalo Gayet. Por protocolo, o Elíseo concedeu a primeira questão ao presidente da Associação da Imprensa Presidencial, à sazón o jornalista de Lhe Figaro Alain Barluet. Depois de um preâmbulo cortês e obrigado porque a coletiva de imprensa coincidia com a felicitación do Ano Novo de Hollande à imprensa (os célebres voeux da cada mês de janeiro), o repórter soltou a batata quente: “A publicação de um artigo que lhe concierne em uma revista, Closer para não a nomear (modo ironia), gerou emoção, perguntas e curiosidade, é inevitável. Há uma necessidade de clarificación ante os franceses e ante aqueles que nos olham desde o estrangeiro. Você vai ser recebido em Washington proximamente. Pergunto-lho sem rodeos: “Continua sendo Valérie Trierweiler a primeira dama da França?”. Hollande recusou responder à pergunta, que tinha toda a pinta de ter sido pactua/pactuada antecipadamente, mas aproveitou a menção a sua viagem oficial a Estados Unidos para prometer que dará as explicações necessárias antes de ir a Washington o 11 de fevereiro. A hábil manobra concede a Hollande 27 dias para organizar sua agita/agitada vida sentimental e preparar uma resposta adequada. O mais curioso foi que a pergunta não deixou muito satisfeito ao bom de Barluet, que mal uma hora depois empregou sua conta de Twitter para pedir perdão a Albert Londres, o difunto repórter francês que dá nome aos prêmios de jornalismo mais prestigiosos da francofonía. O presidente dos jornalistas fez a pergunta justa ao presidente dos franceses. Mas não esclareceu se lhe pareceu demasiado direta, demasiado pactua/pactuada ou demasiado próxima à imprensa canalla.

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