sábado, 4 de janeiro de 2014

No Brasil, o palco é das mulheres


O país do samba já teve em sua comissão de frente vozes femininas lendárias, como as cantoras que surgiram nas décadas de 1960, 1970 e 1980, entre elas Rita Lee, Maria Bethânia, Gal Costa, Clara Nunes e a falecida Elis Regina. Antes no abre-alas, essas emblemáticas mulheres agora fazem parte de uma histórica velha-guarda, em um país que começa a prestar a atenção em novas vozes femininas representadas por uma geração de cantoras com nomes hippies e atitudes moderninhas. “O Brasil tem uma tradição de ter compositores homens e cantoras mulheres. Sempre foi assim”, diz o crítico de música e jornalista Lauro Lisboa Garcia. “Não sei por que é assim. É inexplicável”, emenda, sem encontrar um motivo para o fato. Seria a exposição da figura feminina que pode ter mais chances de receber a direção dos holofotes? “Não posso afirmar isso”, diz. Teorias à parte, vamos a elas. A paulistana Céu - se dependesse apenas do nome, ela poderia facilmente estar no line up do Woodstock - de 33 anos, cria seu repertório a partir de uma mistura de MPB (Música Popular Brasileira), samba, hip hop, jazz e afrobeat. Talvez, por isso, ela já tenha afirmado que não se rotula como uma cantora de MPB apenas, título que considera limitado. Com cinco discos gravados, já esteve na lista da revista francesa Les Inrocks como uma das revelações do ano, em 2005, e já levou para casa quatro prêmios Grammy. Prestando um pouco de atenção, o som de Céu lembra o que a outra paulistana, de mesma idade, Mariana Aydar produz. Com mais influência do samba e da MPB, Aydar tem quatro discos no currículo e a brasilidade aparece bem clara, não só na música, mas também no discurso. “Musicalmente acho que nos acostumamos com a diversidade e o ritmo intrínsecos à nossa música” , diz. “A malemolência, o swing... Aqui todo mundo batuca alguma coisa, a mesa, o tamborim, o prato”, conta. Céu está na lista dos brasileiros favoritos de Mariana Aydar. “Gosto muito da Céu, da Karina Buhr, do Lucas Santtana, tem muita gente!” , diz, se referindo, além da paulistana, ao cantor e produtor baiano Lucas Santtana e à conterrânea dele, Karina Buhr, de 39 anos. Essa última, com um som um pouco mais diferente, que mistura o rock, interpretado numa voz com sotaque mezzo baiano mezzo pernambucano (Buhr cresceu no Recife), com o brega - muito em voga no Brasil nos últimos anos. Isso talvez renda à Buhr, que além de cantora é atriz e ilustradora, partituras um pouco mais originais do que as produzidas pelas moças nascidas na região sudeste do país. Seu hit Não me Ame Tanto gruda como chiclete e te faz mexer o ombrinho sem nem perceber. “A Karina Buhr é uma compositora boa, tem músicas expressivas, sobe no palco e é uma rock star”, descreve Garcia. Ainda no Recife e falando em meninas que cantam e representam, Clarice Falcão, de 24 anos, é uma figura que, se você não gostar, pode ter problemas com isso. O fato se produz porque Falcão, atualmente, está em cartaz no cinema (com o filme Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo com a minha vida), em dezenas de virais na Internet como integrante do grupo de comédia Porta dos Fundos, na televisão (em seriados como As Brasileiras e Elmiro Miranda Show) e nos palcos, divulgando seu primeiro disco, Monomania, lançado em abril de 2013. Difícil é não vê-la em algum lugar. Falcão começou a ganhar destaque com a Internet, interpretando papeis em algumas esquetes e, em pouco tempo, estava fazendo o comercial de uma das maiores redes de supermercados do Brasil, cantando uma música publicitária, mas sem perder um sustenido da sua maior característica: voz doce e tom meloso. Características muito parecidas com a de Mallu Magalhães, 21 anos, paulistana, que virou celebridade depois de começar a postar suas músicas, a maioria em inglês, no My Space quando tinha 15 anos. Dona de uma voz rouca, que começou a se afinar nos últimos anos, Magalhães tem três discos gravados, sendo que o último, Highly Sensitive, lançado nos EUA em outubro de 2013, recebeu boas críticas do New York Times, dando à menina crescida o título de “sedutora” e traduzindo seu trabalho como algo com “sensibilidade própria” e “cativante”. “Mallu soa como se estivesse cantando somente para si mesma ou para um amigo”, dizia o texto do crítico Jon Pareles. De fato, Magalhães vem se desenvolvendo nos últimos anos, talvez por influência do marido, o músico Marcelo Camello (vocalista da banda brasileira de músicas melosas, os extintos Los Hermanos. Hoje, faz carreira solo), com quem se mudou para Lisboa no fim de 2013, para “explorar um pouco mais o público que o casal tem fora do Brasil”. E foi também no exterior, que a cantora paulista Tulipa Ruiz (nome de uma flor), nascida no litoral de São Paulo, a cidade de Santos, mas criada em Minas Gerais, se encontrou com um de seus maiores ídolos, o vocalista da extinta banda norte-americana Talking Heads, David Byrne. O ídolo não só foi encontrá-la, como assistiu a um show dela em Nova York, em agosto de 2013. “Soubemos que ele gostava do nosso som e o convidamos para assistir ao nosso show em Nova York”, conta. “Ficamos na expectativa e ele acabou aparecendo!”, diz a cantora de 34 anos, com uma voz um pouco mais grossa do que as moças de sua geração. “A Tulipa é afinadíssima e tem personalidade”, diz Garcia. “Tudo o que ela resolve cantar fica bem”, conta, sobre a cantora que afirma ter a musicista norte-americana Meredith Monk como sua maior inspiração. Na realidade, as músicas de Tulipa não têm nada de parecido com a excentricidade de Monk. São boas letras, interpretadas por uma voz afinada e original. Mas sem qualquer semelhança à performer norte-americana. Ainda no campo das vozes frescas interpretadas por nomes hippies, a paulistana Tiê (nome de um pássaro da América do Sul), de 33 anos, tem na voz, características parecidas com a de Tulipa e Clarice Falcão. As melodias açucaradas, de autoria própria, musicadas com violão e piano, compõem seus dois álbuns, Sweet Jardim e A Coruja e o Corção. Ah sim, Tiê já gravou uma música de Tulipa - Só sei Dançar com Você - e fez uma participação especial no álbum da mesma colega, o Efêmera, de 2010. No sangue Em comum, essa geração millenium de cantoras brasileiras tem muita coisa. A Internet como porta de entrada para a maioria delas, é um exemplo. Porém, ao mesmo tempo que ajuda, esse meio pode ser um jeito controverso de se lançar. “A Internet é uma faca de dois gumes”, diz Aydar. “Ao mesmo tempo que seu trabalho está na rede, todos também estão, o que aumenta a oferta também. As pessoas não tem nem mais 5 minutos para ver uma música inteira , já clicam no próximo vídeo...mesmo assim ainda é maravilhoso!”. Para Garcia, a oferta de informação pode ser vista com bons olhos - ou ouvida com bons ouvidos - desde que seja possível separar o joio do trigo. Na Internet deve haver algum discernimento. Há coisas maravilhosas que você descobre, mas há muita porcaria também”. Outro ponto em comum da maioria das cantoras é o sangue. Reparando bem, quase todas são de famílias de artistas. Céu é filha de um maestro; Mallu é filha de músico, assim como Tulipa e Mariana Aydar, cuja mãe é uma produtora do universo musical. Clarice Falcão é filha de pai cineasta e mãe escritora. Outra “coincidência”? Essas meninas pouco tocam nas rádios brasileiras. Não por uma questão de qualidade, mas simplesmente pelo medo do novo, segundo Garcia. “Ninguém quer arriscar a tocar uma musica que vai ser difícil para um público que não está interessado”, conclui.
fonte:elpais

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